O sujeito transformado em mercadoria
A sociedade digital intensificou o processo de transformar pessoas em vitrines. O que antes era consumo de objetos se deslocou para o consumo de imagens, identidades e estilos de vida. Nas redes sociais, isso se torna ainda mais evidente: cada gesto, cada fotografia, cada fala pode ser convertida em ativo econômico.
O sujeito deixa de ser apenas alguém que participa de uma comunidade para se tornar também mercadoria exposta, medida em views, curtidas e contratos.
O ciclo do hiperconsumo digital
Esse consumo não é episódico: é contínuo, quase automático. O feed nunca acaba, e a cada deslizar de tela surge uma nova oportunidade de consumir: produtos, serviços, mas também pessoas.
Esse movimento atinge inclusive crianças e adolescentes, que acabam inseridos em processos de exposição precoce e adultização, seja como público-alvo da publicidade, seja como protagonistas em conteúdos que circulam massivamente.
O que muda com a sanção do ECA Digital
No dia 18 de setembro de 2025 foi publicada a Lei 15.211/2025, conhecida como ECA Digital ou Lei Felca, que atualiza o Estatuto da Criança e do Adolescente para o ambiente online. Essa lei nasceu da necessidade de colocar limites em uma dinâmica que vinha transformando a infância em mercadoria.
Se você é criador de conteúdo, especialmente se trabalha com publicidade, campanhas digitais ou monetização de canais, precisa compreender que a responsabilidade agora é também jurídica, com regras e parâmetros claros.
Pontos-chave do ECA Digital para criadores
1. Classificação de público
As plataformas passam a exigir mais cuidado na sinalização de conteúdos voltados a menores. Não basta marcar de forma genérica; será necessário observar critérios que possam ser fiscalizados.
Exemplo prático: no YouTube, marcar corretamente se o vídeo é para crianças ou não. No Instagram e TikTok, usar as restrições de idade disponíveis.
2. Publicidade infantil
Campanhas direcionadas a crianças e adolescentes precisam ser transparentes e adequadas à faixa etária. Linguagens que exploram vulnerabilidades ou incentivam consumo de forma persuasiva entram em zona de risco.
Exemplo prático: não usar frases como “peça para sua mãe comprar” em publis; identificar claramente anúncios com hashtags (#publi, #anúncio).
3. Verificação de idade
A lei obriga plataformas a adotar mecanismos mais robustos para restringir acesso. Mesmo que ainda não esteja claro o formato técnico, criadores sentirão impacto direto: exigências de classificação e maior fiscalização de conteúdo adulto.
Exemplo: criadores de games com restrição +18 precisam sinalizar claramente isso nos títulos, descrições e configurações.
4. Fiscalização da ANPD
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) amplia seu papel: agora supervisiona práticas digitais que envolvam menores e publicidade online. Isso significa que infrações podem gerar não só penalidades nas plataformas, mas também processos administrativos e multas.
Caminhos práticos para criadores de conteúdo
- Revisar contratos com marcas e agências, garantindo que campanhas voltadas a menores estejam em conformidade com a lei.
- Formalizar autorizações de uso de imagem de crianças e adolescentes, sempre com consentimento dos responsáveis.
- Identificar publicidade de forma clara, evitando confusão entre conteúdo orgânico e anúncios.
- Revisar linguagem e estética, afastando práticas que possam caracterizar adultização.
- Criar protocolos internos de checagem antes de publicar, registrando medidas de cuidado (isso serve como prova de responsabilidade).
- Manter-se atualizado: acompanhar as atualizações das plataformas e as regulamentações futuras da ANPD.
Por que isso importa
O ECA Digital não surgiu para limitar sua criatividade. Ele surge para lembrar que crianças e adolescentes não podem ser tratados como mercadoria.
Se você vive de criar conteúdo, adaptar-se a essas regras não é apenas uma questão legal: é uma forma de fortalecer sua credibilidade, sua marca e sua longevidade no digital.
Este é o momento de se organizar. Revise contratos, sinalize conteúdos corretamente e proteja sua imagem profissional. Se precisar de apoio jurídico especializado em criadores e infoprodutores, vamos conversar.