Cidadania digital e proteção integral: o que muda com a tese do STF sobre o art. 19 do Marco Civil e com o “ECA Digital”

E como isso se traduz em passos claros para famílias, escolas e plataformas

Nos últimos meses, duas peças importantes começaram a reorganizar a proteção de crianças e adolescentes no ambiente online no Brasil: de um lado, o Supremo Tribunal Federal reinterpretou o art. 19 do Marco Civil da Internet e disse, em termos simples, que a plataforma não pode se esconder atrás da ideia de “só removo com ordem judicial”, porque existem situações em que a diligência precisa acontecer logo após a notificação da vítima e há outras em que, sendo ilícitos graves com circulação massiva, a atuação tem de ser imediata e bem documentada;

De outro lado, o Congresso aprovou o chamado ECA Digital, um projeto que exige verificação etária proporcional a risco, controles parentais compreensíveis e canais oficiais de denúncia com prazos e transparência, e isso muda o jogo para quem cuida, quem educa e quem opera as plataformas.

Por que isso importa na prática

A decisão do STF e o avanço do ECA Digital são importantes porque deslocam a conversa de “boa vontade” para “procedimentos verificáveis”, isto é, definem quando a plataforma responde civilmente, pedem que existam canais acessíveis, prazos razoáveis e registros das decisões, e criam previsibilidade para pais, escolas e provedores transformarem indignação em ação efetiva, reduzindo o improviso sem sacrificar liberdades informacionais e o devido processo.

O que exatamente o STF decidiu sobre o art. 19 do Marco Civil

Em 26 de junho de 2025, o STF fixou tese com três eixos: primeiro, responsabilidade quando a plataforma, depois de notificada por canal idôneo, não age em tempo razoável; segundo, dever de cuidado imediato diante de ilícitos graves com circulação massiva em um rol taxativo, como crimes antidemocráticos, incentivos à automutilação, racismo e crimes sexuais contra vulneráveis; terceiro, presunções específicas quando há impulsionamento pago ou redes artificiais de distribuição, que elevam o padrão de diligência esperada; além disso, o Tribunal manteve o regime clássico para e-mail, reuniões fechadas e mensageria estritamente interpessoal, e modulou os efeitos para valer daqui para frente, cobrando também transparência, canais acessíveis e devido processo.

O que o ECA Digital traz para a mesa

O PL 2.628/2022, apelidado de ECA Digital, foi aprovado pela Câmara em 20 de agosto de 2025 e pelo Senado em 27 de agosto de 2025, seguindo para sanção; o texto exige verificação etária proporcional a risco, ferramentas parentais compreensíveis, mecanismos de denúncia com prazos e logs, e diretrizes de transparência, com um olhar especial para reduzir a adultização e a exposição indevida, e, embora ainda possa sofrer vetos, já indica com bastante clareza o que será cobrado das plataformas e de quem administra ambientes com presença de menores.

Como as duas agendas se conectam e por que isso facilita sua vida

Quando a tese do STF pede diligência após notificação e resposta imediata em ilícitos graves, e quando o ECA Digital amarra verificação etária, controles parentais e canais de denúncia, o ponto de encontro é nítido: procedimentos rastreáveis dos dois lados, porque a família que notifica e guarda protocolo, a escola que preserva adequadamente a prova e o provedor que registra como decidiu e em quanto tempo tratou estão, todos, no mesmo script, e é isso que tira a discussão do campo da opinião e leva para o campo do cumprimento verificável.

Exemplos concretos

Imagine uma mãe me procura como advogada porque as fotos do filho viraram alvo de “cyberbullying”; eu posso ajudar essa família a capturar a URL estável, registrar data e hora, montar um dossiê mínimo e notificar pelo canal oficial da plataforma, com protocolo guardado, acionamos o gatilho jurídico correto definido pelo STF, e, se o conteúdo estiver se espalhando em grande escala e for um daqueles ilícitos graves do rol, eu cobro atuação imediata, enquanto o ECA Digital empurra melhorias preventivas como perfis por faixa etária e controles parentais mais fáceis de configurar, e, nessa combinação, a chance de resposta rápida aumenta muito.

Também vemos casos em que escolas hesitam em agir por medo de “entrar no processo”, e aqui a reflexão é simples e poderosa: política de uso responsável com um protocolo de incidentes enxuto não é burocracia, é o documento que protege a criança, protege a escola e organiza a conversa com a plataforma, porque mostra que houve preservação adequada da prova, comunicação com os responsáveis e acionamento do canal correto, e isso dá tração à medida e diminui a frustração que todos sentem quando a denúncia some no suporte.

Fluxos práticos:

Antes de clicar em “denunciar”, vale entender que o que move a plataforma é procedimento verificável e não apenas o desabafo: canal correto, prazos, logs e um dossiê mínimo que permita identificar o conteúdo e o contexto; a tese do STF fortalece a notificação idônea e as respostas imediatas em ilícitos graves, enquanto o ECA Digital pede verificação etária e controles parentais de verdade, então a ordem das coisas aqui importa e a documentação também.

Adultização e exposição indevida:

Coletar e preservar com URL estável, data e hora, e, quando possível, metadados; notificar no canal oficial e guardar protocolo; acompanhar o prazo; escalar quando houver ilícito grave com circulação massiva; recorrer com base nas políticas publicadas e no dossiê preservado.

Cyberbullying e aliciamento

Preservar sem amplificar o dano; notificar a plataforma e registrar internamente o caso; havendo risco concreto, acionar autoridades; manter trilha documental simples e segura, lembrando que a integridade da prova eletrônica aumenta a previsibilidade de medidas judiciais e extrajudiciais.

Publicidade irregular para menores e influenciadores mirins

Identificar o formato e, se houver impulsionamento, guardar IDs e recibos, porque a tese do STF coloca presunções específicas nesses casos; notificar marca, agência e plataforma com pedido de retirada fundamentado; registrar prazos e respostas; ajustar políticas editoriais e de parceria para evitar reincidência.

Prova eletrônica sem erro: do print ao dossiê mínimo

O print isolado ajuda a contar a história, mas não sustenta o resultado sozinho; organize um dossiê mínimo com a URL, a data e hora, capturas consistentes, o protocolo da plataforma e um texto curto de contexto, e, quando couber, metadados e hash, porque é isso que dá integridade à prova e conversa com o padrão de diligência esperado pelas plataformas e pelos juízes. Um advogado de Direito Digital pode te ajudar nisso.

Reflexões que importam para quem advoga e para quem é pai ou educador

Sim, estamos vendo grandes mudanças para proteger menores online e, isso é importante e é amparado por lei, porém, na prática, tropeçamos em três ausências que atrapalham muito:

  • falta de padrões simples de denúncia que as pessoas consigam seguir sem assessoria jurídica;
  • falta de letramento midiático na escola e em casa para identificar risco cedo e descrever o problema objetivamente;
  • falta de capacidade operacional em algumas plataformas e instituições para cumprir prazos, registrar decisões e explicar o que foi feito.

E é aqui que escritório e comunidade se encontram, porque quando transformamos obrigações legais em checklists, modelos e rotinas, a roda gira com menos atrito e os resultados aparecem.

O que fazer agora, em três listas curtas

Pais e responsáveis: Configurar perfis por faixa etária, revisar mensalmente, conhecer o canal oficial de denúncia e guardar protocolo e URLs, conversar sobre privacidade e pedido de ajuda.

Escolas: Publicar política de uso responsável, instituir protocolo de incidentes com preservação de evidências compatível com LGPD e registrar programas de educação midiática.

Plataformas e comunidades: Disponibilizar canais acessíveis inclusive para não usuários, atuar com diligência após notificação e imediatamente em ilícitos graves, publicar relatórios de transparência com métricas compreensíveis.

Perguntas rápidas que sempre chegam

A plataforma sempre responde sem ordem judicial? Não. Em ilícitos graves com circulação massiva, a atuação é imediata; nas demais hipóteses, a responsabilização decorre da falta de diligência após notificação idônea, e o regime clássico permanece para e-mail, reuniões fechadas e mensageria privada.

O ECA Digital já está valendo? Em 3 de setembro de 2025, o texto aprovado pelo Congresso aguarda sanção, e é prudente já alinhar práticas aos pilares anunciados, porque a janela de adaptação costuma ser curta.

Conclusão

Quando olhamos para a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital, a lei já nos dá um norte muito claro, com a tese do STF dizendo quando a plataforma precisa agir e com o ECA Digital detalhando prevenção e transparência, porém o resultado não aparece sozinho, porque entre o texto jurídico e a vida real existe um espaço que só se preenche com procedimento simples, com registro bem feito e com gente preparada para agir sem improviso; é por isso que insisto tanto em transformar indignação em passos verificáveis, porque aconteceu A, A é importante porque ativa B e B, quando documentado com C, destrava D na plataforma e sustenta E em juízo, e assim a engrenagem anda.

Para famílias e escolas, isso significa sair do “print e desabafo” para um dossiê mínimo que qualquer pessoa sabe montar com um guia de duas páginas, significa criar o hábito de configurar perfis por faixa etária e revisar mensalmente, significa ter um protocolo de incidentes que cabe em uma folha e que organiza quem faz o quê em cada cenário; para plataformas e administradores de comunidades, significa publicar canais realmente acessíveis, responder em prazo razoável e explicar decisões com logs e recurso, porque sem contestabilidade não há confiança e sem confiança todos perdem.

Se você é mãe, pai, educadora ou gestor e precisa de apoio imediato, eu disponibilizo um checklist gratuito de notificação e preservação de evidências para você baixar e usar hoje mesmo; Entre em contato pelo whatsapp para que possa enviar a você.

Compartilhe com quem pode se beneficiar e me escreva com o seu caso, porque a cidadania digital que queremos é construída justamente quando cada pessoa entende seus direitos e aprende, com clareza e serenidade, como exercê-los.

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